O Passeio Fora de Estrada até ao Umbigo do Mundo foi, verdadeiramente, um encontro de amigos em Trás-os-Montes. Os únicos participantes que à partida não conheciam mais ninguém, além de João Lobão e Carla Rentes, da Terroir Adventures, éramos nós. Depois de nos despedirmos de todos os que acompanhámos durante este fim-de-semana, também já sentimos fazer parte deste grupo de amigos. Foram dois dias em que o todo terreno serviu de pretexto para um excelente convívio. E não faltaram recompensas!…
Um percurso bastante equilibrado, na distância e na dificuldade, uma escolha bem cuidada dos pratos que ao longo do programa foram sendo servidos, e uma atenção permanente com os detalhes. Foi esta a marca que nos deixaram os organizadores deste autêntico encontro de amigos em Trás-os-Montes. Apaixonados por todo terreno, mas não menos pelo gosto de bem receber, o casal que dá corpo à Terroir Adventures só podia atrair às suas acções um grupo como o que levou a Macedo de Cavaleiros.
Contando com a equipa da revista Todo Terreno, as 20 inscrições esgotaram-se sem dificuldade. O “passa-palavra” entre amigos motivou uns e outros, até não faltar nenhum. E até não caber mais ninguém, pois o objectivo de João Lobão e Carla Rentes era liderarem uma caravana com apenas duas dezenas de jipes. Tantos quantos conseguiam controlar sem terem necessidade de reforçar a sua equipa. E o “minimalismo” da organização, percebemos ao viver todo o passeio junto deles, assentou num profundo conhecimento de todos os detalhes do programa e dos participantes.
Cenários que o Outono torna mais deslumbrantes
Para compensar um sábado em que o sol nunca se mostrou, este domingo começou mesmo soalheiro. Claro que, como sabiamente sempre disse o povo, “sol de pouca dura”, pois a meio da manhã, quando a caravana alcançou a aldeia de Podence, o céu já estava coberto de nuvens. E ameaçava mesmo soltar umas pingas de chuva. Que bem falta faz, dirão imensos, sobretudo os mais preocupados com o problema da seca que tem marcado este ano em Portugal.
O ideal para qualquer um que queira andar um dia a passear em todo terreno é que na véspera caia uma boa chuvada sobre o percurso. Os caminhos ficam mais suaves e pode até tornar-se um pouco mais desafiante percorrê-los; mas, acima de tudo, fazendo-o em grupo não se corre o risco do primeiro carro deixar todos os outros submersos numa nuvem de poeira.
Os organizadores deste passeio tiveram uma sorte fantástica com o tempo, mas não foi por acaso. Escolheram exactamente esta data, conscientes dos cenários outonais que iam revelar à caravana. E certos de que não há melhor ocasião do que esta para passear neste recanto transmontano, pelos arredores de Macedo de Cavaleiros.
Por entre soutos e montados onde os javalis são reis
Tal como já tinha acontecido no sábado, também neste domingo deixámos Macedo de Cavaleiros logo por um caminho de terra. Somente a orientação foi diversa: em vez de rumo ao sul, a caravana seguiu para norte. Os cenários, todavia, pouco se alteraram. E ainda bem, porque curto como é o Outono, não há muitas oportunidades para apreciar estas paragens com as cores quentes que encontrámos. Nem sequer para ver os castanheiros carregados até mais não, com o chão em redor das árvores já coberto de castanhas, que caem de maduras, assim que sopra uma brisa mais forte.
Não resistimos, aliás, quase ninguém resistiu a ir apanhar umas castanhas. Não a pensar no dia de São Martinho, que se celebra esta segunda-feira, mas apenas pela graça de juntar uma mão cheia delas, ainda presas nos seus “ouriços”. Às bolotas é que ninguém foi. Nem vimos porcos a rondar os sobreiros por entre os quais desfilámos durante quilómetros e quilómetros. Mas asseguraram-nos que por ali abundam os javalis. Não os vimos, que o barulho dos jipes é o aviso para se esconderem, ou os caçadores não se façam também anunciar pelos jipes que conduzem até ao local de caça? E quem está habituado, diz-nos que os javalis são mais espertos que os caçadores. Daí que só os melhores os conseguem apanhar.
A nossa caçada foi outra. Não podia ter sido mais farta, em boas imagens da natureza, no seu melhor!… E se até à primeira paragem, em Podence, o passeio foi espectacular, a “cereja em cima do bolo”, como frisou um dos participantes, viria depois de visitarmos a Casa do Careto. Mas antes de contarmos isso, falemos dos Caretos, essas figuras tradicionais do carnaval no nordeste transmontano, que estão à beira de ser reconhecidos pela Unesco como Património Imaterial da Humanidade.
Todos os caminhos foram dar a Podence
Vestidos com roupas cobertas por franjas coloridas, onde o amarelo, o verde e o vermelho são dominantes, os Caretos corriam as aldeias, de casa em casa, nos dias de carnaval, assustando e divertindo as raparigas solteiras. Escondidos por trás de uma máscara, feita ora em couro, ora em latão, mas sempre pintado de vermelho, para adquirirem um aspecto mais assustadores, anunciavam-se pelo som dos guizos que levavam presos à cintura.
Na década de 1970, a emigração e a guerra colonial levou para longe de Trás-os-Montes os jovens namoradeiros que pelo carnaval se tornavam Caretos. Até que só sobraram três, na aldeia de Podence. E como não se cansaram a insistir para outros os seguissem nas partidas carnavalescas, acabaram por conseguir não só salvar esta tradição antiga, como fizeram com que os Caretos se tornassem indispensáveis.
A Casa do Careto, instalada na antiga escola primária de Podence, é de visita obrigatória para quem quiser conhecer algo mais sobre estas figuras e o que representam nestas comunidades. A entrada custa apenas um euro e não tem dia de fecho, nem para descanso. Este passeio pelo “Umbigo do Mundo” levou-nos até lá; e não nos cansámos de observar atentamente todas as figuras, retratos e pinturas que estão expostas e que homenageiam o Careto.
Contornar a albufeira do Azibo para terminar em beleza
Partimos de Podence com enorme vontade de lá regressarmos, pelo carnaval. Mas o que nos foi dado a descobrir no último sector do percurso, vale ainda mais a pena visitar já, não no carnaval. Sempre por pistas de terra, suaves e rolantes, que a manhã não estava para enfrentar dificuldades, avançámos ao longo da albufeira do Azibo. Somente não contornámos todo o perímetro porque há uma parte que foi vedada ao trânsito. Nem teria sido necessário alongarmo-nos, porque o havia para ver ficou bem visto.
A Terroir Adventures reservou o melhor para o final, como quem reserva o melhor da refeição para o último prato. E por falar em refeição, no almoço final, em Macedo de Cavaleiros, circularam pelas mesas abundantes travessas de “posta mirandesa” e rodião grelhado. O aperitivo tinha sido servido um pouco antes e neste caso por iniciativa colectiva dos participantes. Que montaram mesa, com toalhas aos quadrados e tudo, como no melhor dos piqueniques. O “esmerado serviço de bar” serviu sobretudo champanhe, acompanhado por lascas de um presunto caseiro que nunca encontraremos em loja alguma. Foi depois de todos terem posado para a fotografia de família, num recanto escondido do Azibo.
E um presente para a despedida…
Para a despedida, a Terroir Adventures reservou outra surpresa e esta foi material: uma bela peça de cerâmica da Arfai, produtor de Aljubarrota que em vez de enfiar espanhóis à pazada para os fornos, cria uma vasta colecção de peças de cerâmica. A Arfai está de mãos dadas com este organizador, que num breve discurso de despedida, entregou a cada equipa uma destas peças. A que recebemos, já está a uso!
Texto e fotos: Alexandre Correia
8 comentários
Gostaria de saber como participar numa das vossas iniciativas. Como fazer?
Olá Ana Cristina, o ideal será entrar em contacto directamente com a Terroir Adventures:http://www.terroiradventures.com/
Em boa hora surge a Terroir Adventures, num mercado cada vez mais emergente, de conseguir levar os amantes dos passei-os TT a locais únicos do País, com um misto de beleza paisagística e gastronómica fabuloso.
Parabéns Carla e Joao!
Obrigado ao grande Repórter e amigo Alexandre Correia, que foi exímio nos relatos desse fim de semana Outonal.
Caro Jorge, tem toda a razão: ainda bem que a Carla e o João se meteram nesta aventura, de criar a Terroir Adventures e promover passeios como aqueles em que coincidimos. Tomara estes encontros se repitam. E muito obrigado pela simpatia das suas palavras!
Para além de um dia de OUTONO PERFEITO, presenteados com um passeio magnifico, fomos brindados com um artigo excelente a narra-lo.
Parabéns e obrigado.
Caro Dias Ferreira, realmente foi uma alegria termos passado estes dias de excelente convívio. A reportagem limita-se a fazer justiça a este passeio, no seu todo, desde a organização aos participantes, do percurso ao programa gastronómico, oficial e “paralelo”; e devo acrescentar que até o champanhe além de bom, estava na temperatura adequada! Muito obrigado pelas suas palavras e pela companhia.
Foi de facto uma jornada memorável! Obrigado Alexandre por conseguir traduzir por palavras o prazer de descobrir os recantos de um interior esquecido, mas que continua ímpar nos seus encantos.
Forte abraço!
Até breve!
Esta experiência com a Terroir Adventures foi bastante interessante. Não temos dúvidas que vão crescer, enquanto organizadores. E vão crescer no sentido da excelência. Muitos parabéns!