Sébastien Loeb arrancou confiante de Urümqi, onde se iniciou esta segunda fase do Silk Way Rally. O piloto da Alsácia liderava desde a partida de Moscovo e contava já com mais de uma hora de avanço sobre o seu companheiro de equipa Cyril Despres. Aparentemente, esta iria ser uma semana tranquila e Loeb já sentia o sabor do champanhe reservado aos vencedores. Mas sábado, não será o Loeb a agitar a garrafa, para dar um banho de champanhe à multidão que estiver a assistir à chegada, em Xian. Uma vez mais, ficou demonstrado que no todo terreno nunca há vencedores antecipados. E questão que se coloca é como se tramou Sébastien Loeb no Silk Way?
A resposta é simples: tudo pode sempre acontecer, mesmo aos melhores. E não há dúvidas em como Sébastien Loeb é um dos melhores pilotos da actualidade. E um dos mais completos, pois facilmente consegue sucesso, não interessa em que disciplina compete.
Nove vezes Campeão do Mundo de Ralis, Loeb é um nome que ficará para sempre ligado à história do WRC. Mas a sua passagem pelos circuitos de asfalto do WTCC, ainda que breve, também lhe permitiu evidenciar-se. O mesmo podemos dizer do ralicross, onde neste momento ocupa parte da sua carreira, com um programa a tempo inteiro, a defender as cores oficiais da Peugeot.
Assim que se estreou no todo terreno, Loeb imediatamente deu nas vistas, ainda que continue a faltar-lhe uma vitória. Por muito que prometa triunfar, a verdade é que até agora ainda não o conseguiu. E sempre por erros de condução, como agora sucedeu na nona etapa do Silk Way.
A história repete-se
O cenário onde tudo se passou foi no leito de um rio de enxurrada, onde somente corre água quando chove abundamentemente. Estava seco e, por isso mesmo, o percurso da prova seguia pelo curso do rio. Era mais admissível, digamos assim, que Loeb fosse “atraiçoado” numa das diversas passagens através de dunas. A sua experiência em areia e, sobretudo em dunas, ainda é limitada e muito embora o próprio Peterhansel ateste que Loeb aprende muito depressa, a rodagem de um e de outro nestas condições é incomparável.
Peterhansel é considerado o piloto mais experiente deste momento, no todo terreno. E nem por isso está isento de errar e sofrer acidentes, como o que o limitou nesta prova. Recordamos que ao quarto dia Peterhansel capotou aparatosamente, exactamente um ano depois disso mesmo lhe ter acontecido nesta prova. E de por isso ter ficado arredado da discussão pelos lugares da frente. E quem lucrou com isso foi Cyril Despres, que no ano passado conseguiu no Silk Way a primeira vitória ao volante de um automóvel.
Este ano, a história parece, pelos vistos, repetir-se. Com ainda maior intensidade, pois o acidente de Peterhansel na quarta etapa apenas permitiu a Despres adiantar-se no segundo posto, onde foi acumulando cada vez mais atraso relativamente a Loeb. E depois de se ter iniciado a segunda semana de prova, era nítido que a Peugeot confiava numa vitória de Loeb, que já contava com mais de uma hora de vantagem. Afinal, o desfecho vai ser mesmo outro.
Maldito buraco!
Foi um buraco maldito, que nem Sébastien Loeb, nem o seu navegador, o monegasco Daniel Elena, conseguiram ver a tempo de evitar que o Peugeot 3008 DKR Maxi mergulhasse lá dentro. E quando caiu, o impacto foi brutal! O carro sofreu uma pancada muito violenta de frente, que o deixou parcialmente destruído.
Um momento de desatenção foi o suficiente para transformar em pesadelo uma corrida de sonho. O imprevisto foi mesmo total. De tal modo que o piloto não estava preparado para um golpe violento do volante, ao embater, que lhe deixou um dedo indicador bastante dorido. Ao ponto de sentir dificuldades em agarrar no volante.
Minutos depois do acidente, Stéphane Peterhansel chegou ao local e parou para ajudar o seu colega. Era, aliás, a sua obrigação, pois nesta fase da prova o papel reservado a Peterhansel já era esse, o de “vigiar” os outros dois pilotos da Peugeot. E se fosse preciso, até desmontava o seu carro, para reparar o deles.
O estado em que ficou a secção frontal do novo 3008 DKR Maxi foi de tal modo precário que Peterhansel não se deteve imobilizado junto ao carro de Loeb por muito tempo. Não podia fazer grande coisa e o que era possível, com os recursos disponíveis a bordo, o próprio Loeb e Elena fizeram.
Enquanto Peterhansel se adiantava, acabando mesmo por ser o vencedor da etapa, Loeb regressou à pista lentamente. Mas não foi longe. E teve de voltar a parar e a aguardar a passagem de um dos camiões de assistência da equipa Peugeot. E com tanta espera, começou a cair a noite. Daí a que a equipa lhe tenha dado instruções para prosseguirem por estrada, directamente para a chegada. E logo se via o que havia a fazer.
Um exame minucioso ao estado do carro de Loeb permitiu concluir que era possível recuperá-lo a tempo de alinhar na décima etapa. Mas as dores na mão esquerda, devido à luxação no dedo indicador, não permitiram que o piloto prosseguisse. Por indicação médica, Loeb renunciou à corrida, não partindo de Hami, onde se iniciou a décima etapa.
E agora? É só surpresas!…
Quando faltam apenas quatro etapas para o Silk Way Rally 2017 terminar, a luta pelos lugares cimeiros reacendeu-se. Na frente está agora Cyril Despres, que leva uma vantagem de 47m38s sobre o buggy Geely SMG do chinês Han Wei. O resultado quer de um, quer do outro, são duas das surpresas que a prova revelou.
Por um lado, o desempenho apagado de Despres não lhe permitia aspirar à vitória. Por outro, Han Wei foi subindo gradualmente na classificação e já ocupava por mérito próprio um dos lugares de honra. Se conseguir manter-se em segundo até à chegada a Xian, para os chineses isso já será uma vitória!
Mas as coisas não estão fáceis para nenhum dos primeiros classificados. A margem de Despres deixa-o particularmente nervoso e nesta décima etapa, mesmo escoltado de início a fim pelo Peugeot 3008 DKR do seu companheiro Stéphane Peterhansel, perdeu-se e até reencontrar o percurso correcto cedeu preciosos minutos.
Quem aproveitou o erro dos homens da Peugeot foi o italiano Eugenio Amos, que venceu o sector selectivo, batendo os Mini John Cooper Works de Yazeed Al-Rajhi e de Bryce Menzies. Amos, que dispõe do buggy que Carlos Sainz conduziu no Rali Dakar em 2014, é um “gentleman-driver” de trinta “e tal” anos, que se surpreendeu com esta vitória. Ao ponto de lhe virem as lágrimas aos olhos, quando soube, à chegada, que tinha sido o mais rápido na etapa!
Tudo em aberto entre os primeiros
Amos é o sexto classificado em termos absolutos, tendo imediatamente à sua frente o Kamaz de Dmitry Stonikov, que continua na liderança da corrida reservada aos camiões. Em quarto está o buggy de Christian Lavieille, que leva um atraso de somente de dois minutos e 25 segundos relativamente ao Mini de Bryce Menzies.
O norte-americano do Team X-Raid recuperou o terceiro lugar, mas não se livrou de imensa pressão. Menzies tem de defender-se da perseguição de Lavieille, mas tem igualmente de atacar Han Wei, pois o chinês não lhe leva senão três minutos e 43 segundos de vantagem. Portanto, os próximos dias serão, com certeza, bastante mais intensos do que foram até aqui no Silk Way Rally 2017…
Texto: Alexandre Correia
Fotos: D.R.