Na noite de 1 de Agosto de 1961, um Citroën ID19 com matrícula diplomática atravessou os portões daquele que era então o território colonial mais pequeno do mundo. Era o Forte de São João Baptista de Ajudá, um enclave junto ao mar, na cidade de Ouidá, no actual Benim. A bordo do automóvel seguia Meneses Alves, o secretário da feitoria, acompanhado pela sua mulher e a filha. Cumprindo o ultimato das autoridades do Benim, abandonavam a colónia. Mas deixaram o forte em chamas, seguindo à risca as instruções que chegaram de Lisboa, do próprio Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. Volvidos 53 anos, um carro com matricula portuguesa voltou a estacionar diante da Feitoria de Ajudá. O UMM Alter conduzido por Hélio Rodrigues e Daniel Amaro. É a ocasião perfeita para reviver memórias portuguesas em África…
E não são memórias quaisquer. Porque o abandono do Forte de São João Baptista de Ajudá foi a primeira derrota para Portugal, enquanto potência colonial. Embora se tratasse de um território minúsculo, confinado na altura à própria fortaleza e ao terreno que a rodeava, como que abriu um precedente.
…onde começou o final do Império Português
O derrubar do Império Colonial Português começou pela sua colónia mais pequena, que já pouco mais era do que uma mera presença histórica. Mas o alarme dos movimentos independentistas já tinha soado antes, o que conferiu ainda maior simbolismo ao abandono de Ajudá. A 4 de Fevereiro de 1961 tinham ocorrido os primeiros tumultos em Luanda, seguidos a 15 de Março, com os ataques nas fazendas do norte de Angola, que deram início à Guerra Colonial.
O antigo Daomé era independente desde 1 de Agosto de 1960, quando a retirada dos franceses fez nascer a República do Benim. Mas para as autoridades do novo país, esse sentimento de independência só seria pleno quando os portugueses abandonassem o forte em Ouidá. As pressões para que os portugueses partissem começaram logo no dia da independência e perante a resistência, o Benim apresentou um ultimato: foi imposto o dia 1 de Agosto de 1961 como data limite para a retirada.
Ao chegar ao final de Julho, um cerco à fortaleza indiciou as intenções de tomar o território pela força. O “governador”, se é que isso podia ser chamado ao responsável pela fortaleza, o Capitão Agostinho Saraiva Borges, tinha viajado para Lisboa. Deixando o secretário, Meneses Alves, sozinho à frente da missão. E este, que aí vivia com a família, a mulher e uma filha ainda criança, não tinha como resistir. Salazar ordenou que ao retirar, lançasse fogo à fortaleza. E daí em diante. nada voltou a ser como dantes para Portugal. Ainda em 1961, a 17 de Dezembro, as tropas da União Indiana atacaram Goa. No caso da Índia Portuguesa, Vassalo e Silva não fez como Meneses Alves. Ignorou as instruções de Salazar e rendeu-se, para evitar um confronto militar em que a derrota era inevitável, tal a diferença de meios…
O simbolismo dos tempos em Ouidá, no Benim
Quando Meneses Alves saiu do portão da fortaleza, naquela noite de 1 de Agosto de 1961, as tropas e populares que situavam a pequena concessão portuguesa abriram espaço para deixar passar o Citroën preto. Os 60 quilómetros até à fronteira com a Nigéria, para onde os últimos portugueses de Ajudá se dirigiram, foram cumpridos num instante. O secretário da Feitoria conhecia bem o caminho, que fazia pelo menos uma vez por mês, quando ia a Lagos, à dependência do Barclays, levantar dinheiro. Dessa vez, a viagem foi a última. Quem diria que 53 anos depois, chegariam dois portugueses, ao volante de um veículo de fabrico português?
A Volta a África começou em Lisboa, diante de uma fortaleza que também é um forte símbolo das conquistas portuguesas além mar: a Torre de Belém. Até chegarem ao Benim, Hélio Rodrigues e Daniel Amaro já percorreram cerca de nove milhares de quilómetros. E atravessaram seis países africanos: Marrocos, Mauritânia, Mali, Burkina-Faso, Togo e o Benim. O mais provável que é acrescentem a Nigéria a esta lista já amanhã! Enquanto isso, aproveitam para reviver memórias portuguesas em África…
Texto: Alexandre Correia Fotos: Daniel Amaro
22 comentários
Amigo Licínio so tenho de agradecer em nome do Volta a África teres sempre disponibilizado o São João para base do projecto Volta a África
É para nós restaurante São João em Luanda uma honra e um orgulho poder fazer parte deste projeto como parceiros. Votos de continuação de boa viagem. Estamos à vossa espera. ” estamos juntos “…
Parabens pela iniciativa e pela partilha da aventura que vou acompanhando com atencao e muita “inveja”.
Caro João, obrigado por também acompanhar esta aventura através da Todo Terreno. E, como diz, é uma viagem que nos deixa a “roer-nos” por não estarmos a bordo desse UMM…
Alexandre Correia que viagem extraordinária pela nossa história tão recente e tão pouco contada.
Sobre o UMM essa é outra que estamos agora a escrever 🙂
Como dizemos no título deste apontamento, esta viagem permite-nos reviver memórias portuguesas em África. E são tantas…
Alexandre palavras para que? Tu fazes nos viver in loco esta aventura
Caro Victor, esta aventura ainda só está no início. Acreditamos que ainda vamos conhecer muitos episódios, cheios de histórias e de aventuras!
Espero e desejo uma viagem excelente!Grande carro com história,para continuar!Força aí.
É verdade Baptista, quem diria que um UMM com quase 30 anos ainda era capaz de aventurar-se desta maneira por África?
Quero deixar um abraço aos meus dois Primos (Daniel e Hélio) que estão a fazer está viagem com fotos e história muito boas! Continuação de boa viagem!
Caro Lino, com certeza que os seus primos vão sentir esse abraço! E terão o maior gosto em saber que está a acompanhá-los através da revista Todo Terreno e que aprecia as histórias que vamos contando à medida que eles vão avançando África abaixo. Volte sempre!
Carrega forte amigo Alexandre….
Mostra ao Mundo a bela maquina UMM e o excelente trabalho realizado..
EXCELENTE VIAGEM
ABRAÇO
#LAFARUZIOS
Caro João Neves, o mais impressionante de tudo é que este UMM Alter representou um investimento total na ordem dos 7000 euros, contando com o preço de compra e o custo de uma revisão geral antes de arrancar para a Volta a África. Já chegou bem longe e ainda não acusou o cansaço de quase três décadas de uso ao serviço da Guarda Nacional Republicana.
A Volta a África é talvez a maior viagem que se pode fazer pelos ultimos seculos da história Portuguesa no Mundo, quer queiramos ou não quase tudo se desenrolou ao longo da costa Africana!
É precisamente isso que nos conta, caro Tiago! Um pouco por todo o mundo, encontramos vestígios do passado que nos dão conta do quanto é antiga a presença portuguesa. Mas em África, de costa a costa, isso é ainda mais forte, tão raros os locais onde não deixámos essas marcas!
É entusiasmante ler o artigo. O detalhe e emoção, envolvem-nos e passamos a fazer parte da aventura. Obrigado Alexandre
Caro Rui, um comentário assim, ainda para mais vindo de alguém que teve o privilégio de conhecer pessoalmente os cenários de que hoje falamos, é muito reconfortante e um estímulo para prosseguirmos com o nosso trabalho. Muito obrigado!
Mas tudo tem que ter um enquadramento e ter contexto para o próprio texto. Chegou o momento. A história é feita e só pode ser feita, de factos e momentos.
Perfeitamente de acordo. Por isso, como a própria Fátima sugere, este foi, para nós, na Todo Terreno, o momento certo para contarmos esta história, que não sendo inédita é, de facto, muito pouco conhecida. A retirada da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá marcou o início do fim do Império Português…
Fátima, é sempre um prazer especial registarmos o agrado que o nosso trabalho lhe desperta e que tão bem nos expressa, através dos seus comentários. Neste caso, contamos uma história que conhecemos bem e que ainda não tínhamos contado na Todo Terreno…
Nós de facto somos um povo de muita grandeza..
Mais estórias para a própria história desta Volta À África.
Dois condutores espetaculares ao volante, deste veículo UMM Alter que também está a fazer história, e a dar matéria prima, para a escrita por parte da Revista Todo Terreno, e nos faz andar no tempo, levando nos até à nossa primeira presença por aquelas paragens, também ao volante de um veículo…extraordinário texto Alexandre Correia.
Obrigada