Foi quase uma tragicomédia o desenrolar da quarta etapa do Silk Way Rally. Na passagem da Rússia para o Cazaquistão, com a tirada mais longa da prova, Stéphane Peterhansel estava determinado em recuperar o comando. Mas o duelo com Sébastien Loeb parece ter ficado por aqui, depois de Peterhansel ter capotado algumas vezes, num acidente que lhe custou mais de duas horas e meia de atraso, irrecuperável. E como Despres também se voltou a atrasar, o Peugeot de Loeb é cada vez mais apontado como o favorito à vitória.
Passou-se precisamente um ano desde que Stéphane Peterhansel capotou aparatosamente na sexta edição do Silk Way Rally e deixou o caminho aberto para que o seu companheiro de equipa Cyril Despres pudesse conquistar a sua primeira vitória ao volante de um automóvel.
Agora, a história repetiu-se ainda no início da longa etapa que ligou Kostanay a Astana, desde a fronteira com a Rússia até à nova capital do Cazaquistão, uma cidade ultramoderna, que contrasta profundamente com a tradição e antiguidade milenar destas paragens da Ásia Central.
Da Europa à China, desde o famoso mercador veneziano Marco Polo, este caminho ficou conhecido como a Rota da Seda e o Silk Way Rally pretende evocar essa memória das grandes viagens do passado através de uma corrida em que a dureza do percurso é apenas um dos factores decisivos. As condições atmosféricas, incertas, são outro desses factores e nesta quarta etapa tudo se conjugou para que os pilotos tivessem de enfrentar mais dificuldades do que imaginavam…
Duas ou três cambalhotas?
Líder à partida da terceira etapa, Stéphane Peterhansel foi, entretanto, ultrapassado pelo novo Peugeot 3008 DKR Maxi de Sébastien Loeb, mas o facto deste ter ganho a etapa obrigava-o a arrancar à frente para os dois selectores selectivos da jornada até Astana.
E abrir a pista, por entre os campos pintados de um verde intenso, da erva e das culturas bem viçosas, comporta sempre um risco adicional: sem marcas no piso, as dúvidas quanto ao rumo a seguir colocam-se mais frequentemente e qualquer decisão errada implica, inevitavelmente, algum atraso, pois o cronómetro é implacável e não pára para compensar enganos de percurso.
No intimo, Stéphane Peterhansel confiava que arrancar logo atrás do carro de Loeb poderia ser uma vantagem, pois enquanto seguisse os traços dos rodados do Peugeot número 106 nem havia como hesitar; era como se o caminho estivesse balizado. A chuva, que entretanto começou a cair, foi tornando a pista ainda mais escorregadia. E havia que conduzir com cautelas redobradas.
Mas foi numa passagem “em que a pista estava perfeitamente seca”, que Stéphane Peterhansel não se apercebeu de um buraco e o seu 3008 DKR “levantou voo e capotou duas ou três vezes”. Estavam apenas cumpridos os primeiros 43 quilómetros, ou seja, a etapa mal começara, mas para o recordista de triunfos no “Dakar”, foi como se tudo tivesse terminado.
“Quando o carro se imobilizou, saímos para olhar para os estragos. Não podíamos ficar logo ali. Portanto, pusemos mãos à obra e imediatamente começámos a trabalhar, para reparar tudo o que pudéssemos com os meios que dispúnhamos a bordo”, explicou Peterhansel.
“O mais importante foi termos conseguido refazer as suspensões, que tinham ficado bastante danificadas com as cambalhotas”, adiantou ainda o piloto, que perdeu só nesta reparação “cerca de duas horas e meia”. Peterhansel conseguiu deixar o carro em condições de prosseguir, “mas com grandes limitações. Não tínhamos sequer o pára-brisas e num dia de chuva como este, a falta do vidro da frente fez-se sentir ainda mais. Fomos andando com calma, para chegar ao fim e conseguimos”.
Atraso irrecuperável?
Agora, o resto é com a equipa técnica, que tem uma noite inteira para reconstruir o carro. Mas à partida da quinta etapa, que conta com o sector selectivo mais extenso de toda a prova – com 484,47 km – o mais certo é que o Peugeot de Peterhansel não evidencie o mais pequeno dano, dos muitos que sofreu ao capotar.
Reconstruir carros em apenas algumas horas, mesmo quando aparentam ter ficado totalmente destruídos, não é um milagre para os mecânicos das grandes equipas, como a Peugeot. É para esses imprevistos que as marcas investem fortemente em estruturas mais funcionais e completas.
E a questão que agora se coloca é até que ponto Peterhansel conseguirá recuperar do atraso que acumulou e que o fez descer mais de uma vintena de posições? Por um lado, temos de considerar que cerca de três horas é muito tempo mas, por outro, ainda há uma dezena de etapas e as maiores dificuldades estão para chegar.
Com a entrada na China, à nona etapa, o rali entrará no deserto de Gobi e os pilotos vão encontrar dunas enormes. Será o terreno mais favorável a Peterhansel do que a Loeb. E como não há provas ganhas senão depois de ultrapassado o último controlo, ambos os pilotos já passaram por situações destas, em que parecia tudo perdido e acabaram por sair vitoriosos.
Lutador como é, Stéphane Peterhansel promete que não vai baixar os braços. E daqui em diante, só terá a ganhar em dar o máximo. Porque perdido, já está. Agora só tem é de “encontrar-se”.
Despres e Menzies também com dificuldades
O mais curioso é que todos os pilotos que arrancaram para a terceira etapa atrás de Loeb conheceram problemas e atrasaram-se. Além de Peterhansel, também isso se passou com o terceiro piloto da Peugeot, Cyril Despres, bem como com os dois homens do Team X-Raid, a quem estão confiados os Mini John Cooper Works que alinharam: Yazeed Al-Rajhi e Bryce Menzies.
Comecemos por referir o que sucedeu a Despres: numa zona mais lamacenta, o Peugeot do antigo “motard” caiu num buraco e a falta de tracção integral – recordamos que o 3008 DKR é um buggy de tracção posterior – talvez tenha pesado nas dificuldades para regressar ao caminho, pois o piloto só pôde prosseguir, 50 minutos mais tarde, depois de ter sido rebocado por um dos Kamaz.
Ainda assim, Despres não perdeu o segundo lugar absoluto, mas distanciou-se imenso do comandante, que soma já perto de uma hora e dez minutos de avanço.
Quem realmente perdeu bastante devido a uma saída da pista, que deixou o Mini “afundado” numa cova com dois metros, foi o norte americano Bryce Menzies. Estreante neste tipo de maratonas, o piloto brilho no primeiro dia, mas talvez isso tenha sido mesmo a chamada sorte de principiante, já que tem evidenciado alguns erros que o impedem de melhorar a classificação.
Resgatado do buraco por outro dos pilotos da Kamaz, Menzies nem por isso trocou de posição, em termos absolutos. Todavia, se tudo lhe tivesse corrido bem, talvez agora o seu Mini ocupasse o segundo posto, pois teria sido fácil ultrapassar os Peugeot de Peterhansel e de Despres. Assim, quem aproveitou o atraso de todos para trepar na classificação foi Christian Lavieille, que ascendeu ao terceiro lugar com o seu buggy e está a apenas uma mão cheia de minutos do tempo total de Despres, pelo que mais uma falha deste e os lugares podem inverter-se…
Segundo mais rápido da etapa, o Mini de Yazeed Al-Rajhi ficou a uma vintena de minutos do Peugeot 3008 DKR Maxi de Loeb. O que deixou o saudita perfeitamente inconformado, pois também ele caiu dentro de um buraco, onde o Mini ficou imobilizado bastante tempo, deixando o piloto com a amarga sensação que estava a andar ao nível do comandante e em condições de o bater. Terá mais dez oportunidades de o tentar, até à chegada a Xian…
Luta renhida nos camiões
Foi ao nível dos camiões que se travou a luta mais acesa pela vitória. Neste caso, foi mesmo um duelo, pois a discussão centrou-se entre Gerard De Rooy e Martin Kolomy.
O piloto holandês da Iveco foi o mais rápido durante quase todo o percurso. Contudo, o seu adversário checo viria a surpreendê-lo sobre a linha da chegada, conseguindo que o seu Tatra ganhasse a etapa por uma vantagem de apenas 21 segundos!
Com dois sucessos em quatro dias, Kolomy reforçou a liderança entre os camiões, onde conta agora com 11 minutos de avanço. O piloto do Tatra é seguido, precisamente, por Gerard De Rooy!
Texto: Alexandre Correia
Fotos: D.R.