Foi um autêntico banho de solidão na partida do “Dakar”. Em quatro décadas, jamais o momento de arranque da prova tinha sido tão pouco participado, pela parte do público. E se não fossem as pessoas directamente envolvidas, quer na organização, quer nas equipas participantes, é caso para dizermos que para chegar ao deserto, teria bastado a partida!
Não é só o Rali Dakar que é novidade na Arábia Saudita. Também o são as corridas de todo terreno, que embora não seja inéditas, somente em 2019 conheceram, pela primeira vez, um campeonato local. Por outro lado, o turismo só agora está a nascer na Arábia Saudita. E embora já não seja praticamente inacessível, como até há uns três meses, o certo é que prevalecem algumas regras de acesso restritivas. Por exemplo, um português, antigo piloto, que acompanhou diversas vezes o “Dakar” até Dakar, pensava fazer o mesmo nesta edição: seguir da Jordânia até à Arábia Saudita, de jipe, para assistir à nova prova. Todavia, na fronteira, foi impedido de aceder ao reino saudita. Tudo porque não está formalmente casado com a sua companheira. Sem surpresa, dizemos nós, porque sempre foi assim. E, pelos vistos, continua a ser…
Sete pilotos portugueses em moto e um de automóvel!
Este ano, entre as 342 equipas que confirmaram a presença, desfilando no sábado ao final da tarde pela plataforma da partida, contam-se 14 portugueses. Sete competem em motos e há apenas um piloto nacional em automóveis, mas há ainda sete navegadores portugueses. Curiosamente, se nos anos anteriores a esperança de assistirmos à consagração de um português centrava-se nos “motards”, agora não. Temos os olhos postos num navegador. E não é um navegador qualquer. É Paulo Fiúza, que alinha de novo como navegador de Stéphane Peterhansel, num dos dois Mini John Cooper Works Buggy oficial!
“Conhecemo-nos há uns oito anos, desde que comecei a trabalhar com a X-Raid”, recordou o navegador da região Oeste, em conversa com a Todo Terreno. Paulo Fiúza sublinha que “a relação com Peterhansel sempre foi cordial”, mas nunca tinham corrido juntos. Até que, em Novembro passado, “fui chamado a substituir Andrea Peterhansel, para acompanhar Stéphane na penúltima prova do campeonato saudita”. Essa experiência resultou num segundo lugar, “perfeitamente justificado por termos instruções muito claras para não correr riscos”. Afinal, participaram com o mesmo buggy com que este sábado alinharam no Rali Dakar Arábia Saudita.
Peterhansel queixou-se então que tinha sido a primeira vez que havia corrido com um navegador que não falava francês. E na véspera da partida do “Dakar” voltou a referir publicamente que isso é um entrave, declarando que “eu falo mal em inglês e o Paulo também não é melhor”. Não é muito simpático dizê-lo, mas a escolha de Sven Quandt, quanto a inscrever Paulo Fiúza com Peterhansel, não é fruto do acaso. Deve-se ao reconhecimento das suas capacidades como navegador, mas também à vantagem que oferece, de conhecer a mecânica do Mini como poucos. Se for necessário desmontar o carro em plena pista para o reparar, Fiúza sabe como poucos o que fazer!
Esperança na vitória recai num dos sete navegadores…
E não é à toa que podemos afirmar que nunca um português esteve como agora, com Paulo Fiúza, no topo da lista dos favoritos à vitória no Rali Dakar. Quando este sábado, antes da partida, perguntámos a Paulo Fiúza como sentia a pressão, sentimos que estava tranquilo quanto a isso…
“Vai ser uma prova cheia de novidades e não só porque o cenário foi renovado. Há novas regras que vão tornar a navegação ainda mais exigente. O que faz com que a expectativa seja ainda maior que o normal. Mas alinhar ao lado do recordista de vitórias no Rali Dakar faz desta, uma participação especial”, disse Fiúza, rematando que “provavelmente, irei andar como nunca andei. E isso só por si já será marcante!”
Ricardo e Manuel Porém confiam na “Missão Borgward”
Único piloto ao volante de um dos 83 automóveis presentes, Ricardo Porém não é um estreante no “Dakar”, pois participou o ano passado, num veículo do grupo T3, um “side-by-side”. Curiosamente, alinhou na última prova sul-americana, que foi também a primeira decorrida num único país, para regressar na primeira edição asiática, também limitada a um único país. A grande diferença desta participação de Ricardo Porém é que está ao volante de um dos carros oficiais da equipa Borgward, trazendo consigo o seu irmão Manuel.
“Termos corrido em Portalegre com o Borgward deu-nos uma experiência preciosa”, admitiu o piloto, em conversa com a Todo Terreno. No entanto, Ricardo Porém reconhece que “só a primeira etapa do Rali Dakar terá a distância de dois dos três sectores selectivos de Portalegre…” A missão dos dois irmãos é seguir Nani Roma como uma sombra, de modo a ajudá-lo, se necessário. E se é verdade que isso logo à partida limita as ambições dos Porém, também não é menos certo que os obrigará a um compromisso de andamento mais cauteloso. Que poderá ser fundamental para assegurarem um lugar à chegada. E ganharem uma experiência que os habilite a procurar ir mais longe na ambição!
Primeira etapa com 319 quilómetros cronometrados
Só a primeira das 12 etapas, que se cumpre este domingo, cumpre desde logo 10 por dento da distância total da prova. Os pilotos têm pela frente um troço cronometrado de 319 quilómetros. Mas isso será menos de metade do percurso total, pois a etapa que parte de Jeddah soma 752 quilómetros! E uma das novidades prende-se com o modo como o percurso será indicado aos participantes. “O road-book apenas será entregue uns minutos antes da partida, procurando garantir a maior transparência e o secretismo do percurso”, diz o piloto de Leiria.
Recordamos que até aqui, o road-book era entregue na véspera, à tarde, deixando muito tempo para os navegadores o estudarem e anotarem. Isso acabou por levar diversas equipas a investir em pessoal e meios sofisticados, para converter essa tarefa num exaustivo levantamento do percurso. E ao implementar o road-book nos mapas, recorrendo aos meios de navegação por satélite que hoje estão disponíveis, acabavam os segredos. Mais do que isso: era até possível fornecer aos pilotos indicações tão precisas como as notas recolhidas numa passagem em treino. O que explica muitos dos “milagres” na abordagem de algumas passagens aparentemente cegas, nomeadamente nas dunas.
Todos os portugueses presentes na Arábia Saudita
Dos 114 motards, são sete portugueses: Paulo Gonçalves (nº 8), Joaquim Rodrigues (nº 27) e Sebastien Buhler (nº 32), competem aos comandos de uma Hero. Mário Patrão (nº 31) veste a camisola da KTM, literalmente. E Fausto Mota (nº 38) alinha com uma Husqvarna, enquanto António Maio (nº 53) integra a formação da Yamaha. Assinale-se que quer Buhler, quer Mota, não estão inscritos como pilotos portugueses, pois apresentaram-se com licença alemã e espanhola, respectivamente.
Nos 83 automóveis, temos Paulo Fiúza como navegador de Stéphane Peterhansel no Mini John Cooper Works Buggy nº 302. Filipe Palmeiro alinha a bordo da Toyota Hilux do piloto lituano Benediktas Vanagas, com o nº 313. Ricardo e Manuel Porém ostentam o nº 332 nas portas do Borgward oficial! Nenhum dos 23 quads é pilotado por um português, mas dos 46 SSV, há um que conta com um português a bordo: trata-se de Pedro Bianchi Prata, que repete a experiência a bordo de um Can-Am, como navegador de Conrad Rautenbach, piloto do Botswana! E temos ainda três portugueses como navegadores em camiões: Bruno Sousa (MAN nº 515), José Martins (DAF nº 537) e Armando Loureiro (MAN nº 546).
Texto: Alexandre Correia Fotos: ASO/DPPI/Julien Delfosse