Sem surpresa, o Rali Dakar deixou a Bolivia com uma longa ligação, não cronometrada, que substituiu a nona etapa, anulada devido ao meu tempo. Mas não é só nas pistas sul-americanas que vemos o Rali Dakar atirado à lama. Também os bastidores da maratona estão sujos, agora por um protesto polémico que já contaminou o domínio da Peugeot. Sainz está determinado em vencer, mas não se livra de sair ensombrado por um castigo. Que a marca francesa já contestou e ameaça levar até às últimas consequências…
Hoje foi uma jornada em que o Peugeot 3008 de Stéphane Peterhansel esteve em evidência. O recordista de vitórias no Rali Dakar dominou em absoluto a décima etapa, ganhando mais de 29 minutos à Toyota de Nasser Al-Attiyah. O piloto do Qatar tinha subido ao segundo lugar graças ao atraso anterior de Peterhansel, que na sétima etapa arrancou o eixo traseiro. Para se desviar de um quad que seguia à sua frente, Peterhansel saiu da pista e não viu uma grande pedra, que destruiu a suspensão traseira do 3008.
Seguiu-se uma notável exibição da excelente preparação dos pilotos da Peugeot, bem como da concepção do 3008 DKR Maxi. Peterhansel desmontou a suspensão do carro de Cyril Despres, de modo a minimizar o tempo perdido. Com isso, cedeu a liderança a Carlos Sainz, mas foi também ultrapassado pela Toyota de Al-Attiyah. E a corrida ganhou um novo ânimo, pelo nervosismo que começou a crescer no seio da equipa Peugeot.
O excelente desempenho de Peterhansel nesta jornada permitiu-lhe recuperar desde já o segundo posto. E não só Sainz fica agora mais à vontade, como Bruno Famin, o director da equipa Peugeot, já não tem motivos de preocupação. O espanhol dispõe agora 1h12m46s de avanço sobre Al-Attiyah. Este, por sua vez, atrasou-se 22m11s relativamente a Peterhansel. É certo que a corrida ainda não terminou, mas pelo menos tudo voltou a ficar mais sossegado entre o pessoal da Peugeot…
Ou talvez não? Porque entretanto aconteceu um golpe de teatro, que desviou as atenções para os bastidores. E atira um monte de lama para Carlos Sainz. Em causa está a conduta do espanhol, acusado por um piloto dos quads, um holandês, de quase ter sido atropelado pelo Peugeot do espanhol. Que nem sequer parou depois para o ajudar.
Na verdade, nem Sainz atropelou ninguém, nem o holandês que o acusou necessitava de qualquer tipo de cuidados, que requeressem a paragem do comandante. A menos que um valente susto, provável, o tenha deixado a precisar de consolo.
Talvez um abraço do nosso Presidente da República Portuguesa tivesse sido apaziguador e, sobretudo, reconfortante nesse momento. Mas agora, quem precisa de afectos como os que Marcelo Rebelo de Sousa distribui tão generosamente é Carlos Sainz. Porque o seu desempenho fica desde já manchado por uma acusação feia: não prestar auxílio a um adversário em apuros, depois de o ter vitimado por um acto de condução perigosa.
Bem que o piloto e a Peugeot contestaram a validade da queixa, que se reporta a um incidente supostamente ocorrido na sétima etapa; mas que levou algum tempo a ser denunciado. O próprio Sainz declarou que rolava tão depressa quando ultrapassou esse quad, que se tivesse tocado nele, provavelmente o piloto não teria sobrevivido ao impacto.
E embora os dados registados pelo GPS de cada concorrente confirmassem tudo isto, o Colégio de Comissários Desportivos acabou por julgar a queixa válida. Sainz foi castigado com uma penalização de 10 minutos.
Volvida esta décima etapa, em que Sainz foi o terceiro mais rápido, Nasser Al-Attiyah parece ter ficado ainda mais distante da discussão da vitória. E a diferença entre os dois primeiros é tão grande, por enquanto, que nem sequer se vislumbra um duelo final. Além de que tudo aponta para que esta seja a oportunidade de Sainz vencer com a Peugeot. A última oportunidade. Daí que, provavelmente, Peterhansel já terá recebido indicações de Bruno Famin, o director da equipa, para não atacar mais.
Mas há ainda um motivo para nervosismo. Esta quarta-feira o Rali Dakar volta a atravessar as temíveis dunas de Fiambalá, pequenas e tão encadeadas, que o risco de atascansos é sempre muito elevado.
Este ano, o calor parece não ser o problema e a chuva até deixa a areia mais pesada, mas nem por isso torna a progressão mais fácil. E quando algum imprevisto sucede, o cronómetro não pára de contar. Nessas alturas, 10 minutos podem ser uma eternidade. E a penalização sofrida por Sainz poderá fazer toda a diferença.
Texto: Alexandre Correia
Fotos: Eric Vargiolu/DPPI/Red Bull Content Pool