Começou com chuva, cinzento e escuro e terminou quase sem nunca vermos o azul do céu. Mas a primeira jornada do Passeio Fora de Estrada até ao Umbigo do Mundo nem por isso deixou de ser um dia de Outono perfeito! O percurso foi integralmente desenrolado em redor de Macedo de Cavaleiros e não se alongou além da “conta certa”. Os quilómetros finais foram cumpridos de noite, mas até isso trouxe um encanto especial ao passeio, organizado pela Terroir Adventures. A caravana regressa domingo aos caminhos transmontanos, para uma manhã que se adivinha bastante preenchida…
São duas dezenas de jipes. Nem mais, nem menos. E dizemos jipes porque a Terroir Adventures decidiu que neste passeio só poderiam participar autênticos veículos de todo terreno. Porque o percurso seleccionado por João Lobão e Carla Rentes, as duas almas desta organização transmontana, foi pensado para as dificuldades próprias da época: já estamos no Outono e o normal será chover um dia ou outro. O risco dos caminhos ficarem escorregadios é grande e isso foi levado em consideração. Ainda para mais. o traçado deste Passeio Fora de Estrada até ao Umbigo do Mundo é uma constante sucessão de subidas e descidas. E enfrentar as serranias com pisos escorregadios sem dispormos de tracção integral, pneus adequados e redutoras, pode resultar numa mão cheia de problemas. E num passeio de fim-de-semana em todo terreno, o que mais se deseja é animação e não arrelias!
Começar por subir acima das nuvens
O troço inicial compreendeu a ligação entre Macedo de Cavaleiros e Chacim, atravessando a serra de Bornes. Não se chegou ao cume, mas não foi necessário isso para se ascender acima das nuvens que, de repente. como que esconderam os vales. A chuva, que acompanhou, miudinha, os primeiros momentos, foi deixando os caminhos gradualmente mais escorregadios. Bastou uma subida com uma passagem mais inclinada e pedregosa para se lançarem as apostas: será que todos vão conseguir passar à primeira? Quase todos conseguiram, mas aqueles que tinham os pneus com pressão mais elevada entenderam que deviam ter seguido a recomendação de João Lobão. No seu briefing escrito, o organizador recomendava aos condutores aliviarem a pressão, para maior conforto de andamento nos pisos mais duros; mas sobretudo para conferir ainda maior capacidade de tracção.
Em pisos pedregosos, um pneu com pressão média como que se molda às irregularidades do solo, evitando perdas de motricidade. Quem não levou à letra esta recomendação sentiu maiores dificuldades em trepar a subida mais íngreme, na serra de Bornes. E houve mesmo quem ficasse parado a meio, ou até praticamente no fim do ponto crítico. E como isso se resolveu? Simplesmente utilizando o guincho eléctricos de um dos veículos mais equipados da caravana.
Não faltaram voluntários a ajudar na operação de “resgate”. Nem espectadores que a aplaudiram, dispersos pela berma, serra acima, indiferentes ao frio e mesmo à chuva.
Honrar a tradição do “mata-bicho”!
A manhã ia a meio quando finalmente os 20 jipes alcançaram a aldeia de Chacim, já no sopé da serra de Bornes. Chegava então o momento de honrar a tradição do “mata-bicho”: um reforço do pequeno-almoço, onde não faltaram queijos, enchidos, presuntos, bom pão, doces caseiros – como uma marmelada acabada de fazer! – folar e bolos. Nem o café e até um vinho do Porto que já se perdeu a idade, de tão velho e saboroso. Brindámos a esta acção da Terroir Adventures, que nos fez atravessar meio Portugal até Macedo de Cavaleiros, para vivermos um dia de Outono perfeito!
Este passeio rapidamente nos começou a parecer um evento gastronómico, pois assim que arrancámos de Chacim, o almoço já se anunciava, num restaurante em Macedo de Cavaleiros. Não que houvesse fome, mas o certo é que os caminhos de regresso passaram-se a um ritmo mais rápido, porque as casulas com butelo não podiam esperar muito atraso.
Para quem não saiba, sempre esclarecemos que as casulas são vagens de feijão secas, que depois de são cozidas com um enchido raro, de Trás-os-Montes, que usa carnes de porco com osso. É o butelo e o facto de não se limparem os ossos senão no prato, confere um sabor mais forte e único a este produto do melhor fumeiro tradicional do nordeste. Foi o prato rei de um belo almoço, que terminou com um pudim de castanha. Bem a propósito.
E quando a tarde passa a correr?
E quando a tarde passa a correr, damo-nos conta que estivemos bastante entretidos. De tal modo que nem demos pelo tempo a passar. Foi mesmo o que aconteceu nesta tarde, sempre às voltas pelas serranias, sem nunca nos afastarmos de Macedo de Cavaleiros. Após o almoço, o percurso orientou a caravana até perto da albufeira do Azibo. Sem, no entanto, que alguma vez nos aproximasse-mos da linha de água. Isso fica reservado para o programa do segundo dia, na manhã de domingo.
Sempre a rolar por trilhos rodeados de matas de castanheiros, de carvalhos e até de sobreiros, a segunda etapa avançou de aldeia em aldeia, atravessando-as quase sem ver vivalma. O fresco do dia tornava mais convidativo o aconchego no lar. Excepto para as dezenas de aventureiros mobilizados pela Terroir Adventures para este passeio. E se não houve paragem para o café a meio da tarde, nem por isso faltaram oportunidades de tomar “qualquer coisa” no caminho. Até um óptimo champanhe francês, servido a quem se aproximou do “carro certo” num autêntico flute de vidro. Mais requinte não era possível, mas para que não se bebesse “a seco”, até apareceram uns bombons de chocolate. Que alegria!
Terminar pela noite dentro, com enorme gosto!
Já com a noite a cair, ainda pudemos apreciar a admirável paleta de cores outonais nalgumas vinhas, onde as diversas castas eram perceptíveis pelo tom especifico de cada lote. Admirável! E quando eram seis da tarde, já ninguém tinha noção das horas. Já estava escuro, mas ainda havia alguns quilómetros para percorrer. E como a chuva há muito tinha cessado, a noite chegou agradável e convidativa a prosseguir com o passeio.
Quando regressámos a Macedo de Cavaleiros, não tínhamos cumprido senão quase nove dezenas de quilómetros nesta jornada. Uma distância quase que dividida em partes iguais. Com o aliciante de nos deixar a sensação de ter incluido uma etapa nocturna. Mas a verdadeira etapa nocturna será à mesa, num dos restaurantes mais afamados de Macedo de Cavaleiros. Com dois pratos não menos famosos. Amanhã contamos, que já estamos atrasados para o repasto e só de pensar nele, já temos água na boca…
Texto e fotos: Alexandre Correia